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Trocar a informação por miúdos, para miúdos

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Antes de rezar a oração pela paz pedida pelo Papa Francisco, Lurdes Barbosa - ou Lu, como é carinhosamente tratada pelos meninos da sua sala-, decidiu ver se eles sabiam o porquê de o estarem a fazer. O melhor era evitar surpresas. “Olhem, vocês sabem o que se passa?”. 

 

As crianças de quem toma conta no Centro Social de Polvoreira (Guimarães) têm entre os três e os seis anos. São ainda muito pequenas, mas nem por isso deixaram a pergunta ficar sem resposta. Um miúdo mais perspicaz prontamente respondeu que eram dois países que estavam em guerra. ”Eles zangaram-se, Lu. Eles não sabem que têm de conversar para fazer as pazes?"

 

Se até para um adulto pode ser tão complexo conseguir perceber como é que um país invade outro, tentar explicar tudo isto a uma criança pode não ser uma tarefa fácil. No entanto, para a educadora de infância, o melhor é falar sempre com eles sobre tudo, especialmente se forem eles a trazer as dúvidas.

 

“Pois é, realmente eles ainda não se sentaram para conversar”, tentou esclarecer-lhe, “talvez devêssemos escrever-lhes uma carta”.

 

Num período em que a imprevisibilidade governa, o primeiro instinto é querer proteger os mais novos e não alarmá-los para estas situações. A incerteza que os adultos por vezes têm naquilo que é a capacidade das crianças para assimilarem a realidade tolda a tomada de decisão na hora de abordar estes temas. 

 

Há quem tente até evitar que os mais pequenos saibam de todo o que se está a passar. Mas tentar privar uma criança da realidade que a rodeia pode não ser sequer possível. Há sempre uma conversa perdida, um amigo que toca no assunto, uma televisão que fica ligada, ou até uma brincadeira que imita aquilo que viram. “Eles acabam sempre por ouvir os pais ou algum miúdo a falar de alguma coisa”, alerta Lurdes.

 

Quem tem vindo a fazer de seu objeto de estudo precisamente os direitos de expressão e de participação de crianças e jovens, na Universidade do Minho, é Sara Pereira. A investigadora esclarece que “não é por ser criança que esta não consegue desenvolver os mesmos princípios e os mesmos valores que um adulto”.

 

A doutorada em Estudos da Criança sublinha que há por vezes uma concessão dos mais novos enquanto seres vulneráveis e incompletos. Seres cuja sociedade tende a encarar o seu valor pelo adulto que será no futuro, mas que esquece a pessoa que já é no presente. 

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"Pois é, professora! Foi como o Putin que entrou na Ucrânia sem pedir a ninguém!"

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Na prática, as crianças têm-nos mostrado que estão aptas a entender as coisas que se passam ao seu redor. A mesma informação pode ser digerida tanto por uma criança, como por um adulto, aquilo que diverge é a forma como lhe explicamos.

 

Os alunos de Sofia Antunes Rodrigues, professora primária na vila de Moimenta da Beira, mostraram-se muito astutos. A propósito da invasão russa à Ucrânia, a professora partilha, entre risos, um episódio caricato que aconteceu na sua sala, onde dá aulas a crianças do 1º ano de escolaridade. “Há uns dias, um menino foi mexer na mochila de outro e eu tive que lhe explicar que não se mexe nas coisas dos outros sem pedir autorização. E um miúdo na sala responde ‹‹Pois é, professora! Foi como o Putin que entrou na Ucrânia sem pedir a ninguém!››.” 

 

Para a professora é muito simples: “as crianças percebem tudo, desde que lhes expliquem”. A pragmaticidade no modo como lidam com assuntos tão profundos não deixa dúvidas de que, de facto, são capazes de perceber o mundo. “Desde que nós lhes expliquemos bem, dêmos exemplos práticos do dia a dia deles, eles compreendem tudo”, reforça Sofia.

 

A importância de explicar através de exemplos que lhe são próximos é uma ideia também defendida pela investigadora Sara Pereira. “Nós podemos ir buscar àquilo que são os seus heróis, os desenhos animados, as situações do quotidiano, situações que ela esteja a viver, situações que ela esteja a provocar em que se possa explicar nesses contextos”.

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“É muito importante percebermos onde é que entra o medo e parar aí à porta”

Esta transposição do real para o imaginário implica um conhecimento acrescido acerca dos mais pequenos. Saber navegar no meio da confusão acarreta um conjunto de responsabilidades acrescidas. Se por um lado é importante que tudo lhes seja explicado, por outro, é igualmente importante saber fazê-lo em doses saudáveis. Não havendo uma receita universal, a dosagem da informação tem de ser adequada a cada um. 


Lurdes Barbosa recorda que nos dias seguintes a terem feito a oração pela paz alguns pais a abordaram: “Falou com os meninos sobre a invasão da Ucrânia?”.

 

Apesar dos mais velhos terem conseguido assimilar que a guerra era noutro sítio e que estavam seguros, o mesmo não aconteceu com os mais novos. “Os mais pequeninos começaram a ter pesadelos de noite e a perguntar «papá, tu não vais morrer, pois não?».” A educadora conta que teve que explicar aos encarregados de educação que fala sempre com os miúdos sobre tudo, mas que não iria voltar a tocar no assunto, a menos que eles lhe perguntassem.

 

Acima de tudo, é necessário conhecer a criança com que se está a lidar, perceber os seus limites, compreender que medos e inquietações podem surgir e saber até onde podemos ir com a explicação. “É muito importante percebermos onde é que entra o medo e parar aí à porta”, explica Sara Pereira.

 

É essencial aguardar pela criança e esperar que ela mesma faça as perguntas, que traga até aos adultos as suas questões e aquilo que a preocupa. A curiosidade é uma caraterística inerente a qualquer criança, que as ajuda a encaixar as peças que conferem sentido ao seu mundo e, por isso, é de esperar que procure respostas.

 

No entanto, nem todas as crianças são iguais e muitas não conseguem verbalizar o que as incomoda. A investigadora explica que na falta de interrogações é oportuno avançar-se com algumas explicações elementares para que se possa, eventualmente, colmatar sentimentos reprimidos que possam estar a causar angústia e até uma situação de isolamento. 

 

Mas nem todos os adultos se sentem confortáveis em abordar assuntos mais complicados com os mais novos. “Nós achámos que as crianças não compreendem o que nós não lhes conseguimos explicar sobre o que se está a passar”, elucida a professora Sofia. O cerne da questão passa, então, por perceber aquilo que estamos dispostos, ou não, a explicar às crianças e se somos capazes de o fazer e não tanto o que elas são capazes de entender. 

 

Lurdes Barbosa diz sentir-se confortável para falar com os miúdos com quem trabalha. “Sou muito a favor de lhes dizer tudo! Não precisamos de ir ao pormenor e devemos utilizar termos e analogias que eles percebam. Eles levam tantas aprendizagens daí e é tão rico ouvi-los falar.”

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