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Comunica: O jornal digital "feito por e para crianças"

No meio do caos mediático, o desafio é explicar às crianças o mundo de forma a que elas o entendam. É conseguir dar-lhes um palco para se expressarem e proporcionar-lhes competências para assumirem uma postura crítica e esclarecida face aos media e às suas representações.

 

O que começou por ser um espaço que não permitia que os trabalhos dos alunos morressem nos seus cadernos diários é hoje o jornal digital da Escola do Freixo, em Ponte de Lima. O “Comunica” nasce com a premissa de ser um meio de comunicação “feito por e para crianças”, conta-nos o professor responsável, António Paiva. 

 

Entusiasmados por terem um sítio onde podem trazer as histórias e os temas que são do seu interesse, os alunos empenham-se na realização das tarefas no Comunica. “Este miúdo aqui já não dorme há não sei quantos dias por causa da entrevista de hoje, não é Alves?” Ao que uma voz surge do fundo da sala: “Não durmo há 5 noites, professor!”

 

Minutos antes da entrevista com o professor António, a sala do Comunica servia para entrevistar Mickael Akordeon, um músico limiano que tinha sido aluno lá na escola. “Eles estavam tão excitados por o poderem entrevistar que, quando cheguei à sala para os ajudar, já tinham montado todo um cenário com não sei quantas câmaras e gravadores apontados para uma cadeira.”

 

A ideia de entrevistar o acordeonista tinha sido dos alunos, que o conheciam por ser lá da zona. “Os nossos alunos, os nossos jornalistas, andam sempre com as antenas no ar, porque eles sabem o que se passa, são aqui do meio, conhecem as pessoas, sabem o que os colegas estão a fazer”, afirma o professor.

 

O facto de a escola se situar num meio mais pequeno nunca foi um entrave para o jornal. Ajuda, aliás, a trazer novas histórias e não contribuir para um jornalismo já tão “saturado com notícias nacionais que vão todas beber à mesma fonte”. 

 

O conteúdo que é publicado no site faz-se, sobretudo, de ouvir o que têm para contar as pessoas que são próximas aos alunos e que eles trazem como sugestão até aos professores. A diversidade de vozes é tanta, que alguns já trouxeram histórias dos avós, da última peixeira do bairro, do senhor da casa ao lado que passou sozinho o natal.

 

Com uma média de três notícias por dia, o medo inicial de que os temas de interesse se fossem esgotando, foi rapidamente dissipado. "É possível fazer notícias de tudo”, diz-nos o professor. “Basta haver imaginação e eles têm muita.”

 

António diz-nos que a porta do Comunica “não tem chave, está sempre aberta” e que, sempre que surge uma ideia, os alunos só têm de informar que estão interessados para o material lhes ser disponibilizado.

 

Relembra que uma das maiores surpresas que teve na sua carreira profissional, foi precisamente com o início deste projeto. Fazer o telejornal com miúdos era uma ideia interessante, mas assustadora. 

 

Confessa ter sentido uma desconfiança inicial em relação àquilo que estas crianças eram capazes de fazer. “Eu estava com medo, porque na idade deles eu era tão tímido que nem falava”, conta-nos entre risos. Aquando da primeira gravação do telejornal, para sua grande admiração, não foi o tom mimado nas vozes que ouviu. Em vez disso, deparou-se com uma boa dicção e um à vontade em falar que o deixaram surpreendido. “Assinem já contrato com eles! É isto que eu quero.”

“Havia trabalhos muito emotivos de crianças que estavam assustadas com o vírus (...)"

O projeto contava ainda os primeiros dias de vida quando a pandemia ataca. O confinamento geral obriga a uma mudança de planos. Havia a preocupação de desenvolver esta ideia à distância e o Comunica chegou mesmo a preparar-se para fechar. 

 

Foi na iminência do fim que surge uma nova oportunidade. O jornal poderia assumir uma nova função para a qual não tinha sido criado: manter as pessoas, que de um momento para o outro se viram separadas, unidas. 

 

O medo e a incerteza que o vírus provocaram deu aso à publicação de trabalhos com alguma carga emocional. “Havia trabalhos muito emotivos de crianças que estavam assustadas com o vírus, que fizeram desenhos com o vírus, de outros que respondiam e diziam para ter calma”, relembra o professor. A mesma catarse é replicada com o cenário da guerra na Ucrânia - o jornal serve de meio para as crianças se expressarem.

“Nós é que temos que mudar, nós os professores e adultos"

Estas situações permitiram ilustrar as várias abordagens com que os alunos tratavam os temas. Para o professor, esta é uma das tarefas mais importantes do Comunica.

 

Um dos objetivos é também ajudar a construir algumas pontes. A barreira que há entre os adultos e os mais novos é uma caraterística comum a todas as gerações. “Às vezes questionamo-nos e sentimo-nos impotentes por não sabermos qual é a linguagem dos miúdos e do que é que eles falam”, diz-nos.

 

A luta diária deste jornal passa por tentar aproximar estes dois mundos que parecem tão distintos. Para isso, procuram usar uma linguagem menos adulta e captar aquilo que é o interesse da maioria, ao mesmo tempo que os incentivam a enquadrar esses gostos naquilo que são os padrões de cultura e educação. 

 

Existe uma preocupação em acompanhar os movimentos digitais dos alunos e perceber qual o tipo de plataformas que funciona melhor entre a comunidade estudantil.

 

Ao longo dos últimos três anos, o trabalho tem dado frutos. Os professores já conseguem ouvir, entre murmúrios no intervalo, “Ah, isso já saiu no Comunica”. Pontualmente, o jornal já consegue fazer algumas intromissões na rede de comunicação dos alunos. Para os professores, isso é uma vitória, mas não é suficiente. 

 

“Nós é que temos que mudar, nós os professores e adultos”, afirma António. Há uma busca incessante dos docentes para corresponder àquilo que são as expectativas dos alunos e, de alguma forma, conseguir puxá-los para o campo da informação. 

 

O jornal conta com uma rubrica intitulada “1 minuto”, que procura descomplicar assuntos que os miúdos vêem nas notícias, mas que são complexos. Num compromisso entre aquilo que é valor-notícia e aquilo que os alunos procuram e entre uma linguagem acessível, mas não infantilizada, o Comunica sonha com o equilíbrio. “Acho que quando são crianças a explicar a outros miúdos é útil”, afirma.

De um projeto que começou a semeado pouco antes da pandemia, o progresso já é grande. Quando abordamos alguns dos alunos dos 4º e 5º anos que já deram o seu contributo para as notícias do site, percebe-se que já encaram o ato de ver notícias de forma diferente.​

Tendencialmente, as crianças interessam-se menos pelas notícias por sentirem que a opinião delas não é tida em conta. Porém, este projeto consegue o feito de cativá-las.

 

Ao entrarmos na escola, os alunos guiam-nos, com entusiasmo, até um ecrã onde são transmitidas as notícias do comunica. Além de uma recente aplicação para o telemóvel, a escola conseguiu também implementar um ponto de leitura. Terem a oportunidade de ver as notícias que produziram deixa os alunos animados.

 

Ao fim do dia, as crianças sentem que o trabalho desempenhado no Comunica é motivo de orgulho. Reconhecem que nem todos os miúdos têm a oportunidade de ver o mundo explicado à sua medida e gostavam que a situação fosse diferente. Quando questionadas sobre a possibilidade do Comunica ter um destaque televisivo, mostraram-se entusiasmadas e com vontade de ver este projeto crescer. "Por serem crianças a falar", Tiago, aluno do 4º ano, afirma que os mais novos teriam maior interesse. Acreditam que este seria um programa que conseguiria reunir à volta da televisão muitos outros miúdos da sua idade. 

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