"Às vezes eu não vejo as notícias porque fico com medo à noite"
A 24 de fevereiro, quando a guerra voltou a entrar de rompante na Europa, a professora Sofia acordava com novas orientações da direção da sua escola. “Não falem do assunto, abordem-o apenas se os miúdos vos perguntarem alguma coisa”.
O medo era que, à semelhança do que se tinha passado com a pandemia, a guerra trouxesse consigo um novo bombardeamento de notícias que pudesse perturbar as crianças. O agrupamento de escolas de Moimenta da Beira, por aconselhamento dos psicólogos escolares, optava então por uma “política assim um bocadinho negacionista”.
A professora partilha que o motivo para esta orientação tem uma razão de ser. Ainda durante a pandemia, chegou a uma altura em que deixou de tocar no assunto da covid nas aulas. A quantidade de informação que chegava até aos seus alunos era demasiada e não queria que a sua sala de aula também contribuísse para isso.
Tentou também que esta mentalidade se estendesse à casa de cada um. “Os miúdos eram tão bombardeados com esse assunto que chegou uma altura em que nós pedimos aos pais para não terem as notícias ligadas na televisão todo o dia.”
O denominador comum à pandemia e à guerra foi, precisamente, a enchente de notícias que se gerou. Nos últimos dois anos, falámos diariamente de enfermeiros como “heróis” que “combatiam” na “linha da frente” um “inimigo comum”. Termos que deixaram de estar no campo metafórico e passaram a ser descritivos do conflito armado que se vive em pleno continente europeu e que começavam a ocupar de novo os noticiários.
Se por um lado as informações são necessárias, por outro, o excesso de informação é prejudicial a qualquer cidadão. A busca pelo equilíbrio daquilo que deve ou não ser falado e visto é uma constante. ”Porque não precisamos de estar a ver [notícias] a toda a hora e momento para sermos bem ou mais informados”, afirma Sara Pereira.
Aquando da covid, Lurdes Barbosa relembra que as suas crianças não falavam de outra coisa.
Às crianças, que não dispõem de meios jornalísticos pensados para elas, é deixada a tarefa árdua de gerir toda esta comoção. O grafismo das imagens passadas nas televisões, que ficam ligadas nas horas de refeições, afeta o modo como os mais novos percepcionam o mundo, já que o vêem através de uma lente que não é adequada para eles.
Provocadora de uma certa miopia, esta lente não lhes permite ver o que há para além destes cenários, criando-lhes uma sensação negativa em relação ao seu meio envolvente.
Até porque, como não têm forma de testemunhar tudo o que se passa no mundo, o seu conhecimento é, essencialmente, uma experiência mediatizada. No caso da guerra, por ser um conflito localizado num ponto geográfico distante do nosso, a única forma que elas têm de saber o que está a acontecer é através daquilo que lhes contam.
Mas então se as notícias não são adaptadas para elas, como é que as crianças as percecionam? Medo, frustração, confusão e angústia são alguns dos sentimentos mencionados pelos mais novos.
"O facto de sentirem que a opinião delas não é tida em conta nem ouvida faz com que elas também se interessam menos"
Num mundo em que as notícias são construídas para adultos, fica por preencher uma lacuna na ponte que liga as crianças ao mundo que as rodeia. Se num alinhamento habitual em que elas já não são chamadas a fazer parte enquanto fontes de informação, numa crise pandémica em que estas não se constituíram enquanto grupo de risco, as crianças ficaram (ainda) mais à margem da sociedade.
Joana Fillol, jornalista e investigadora, diz-nos que as crianças não se sentem integradas na sociedade. “O facto de sentirem que a opinião delas não é tida em conta nem ouvida faz com que elas também se interessem menos”. Reforça, ainda, que este não é um cenário exclusivo ao tempo de pandemia e que tem sido assim nos últimos anos.
Fundadora de um projeto que ambiciona informar o público infanto-juvenil - o “Jornalíssimo” - Joana Fillol admite, pela sua própria experiência, que pode ser mais difícil escrever para este público do que para adultos. Não existe a suposição de que estes leitores viram as notícias anteriores e, por isso, não há um fio de acontecimentos que os leve a perceber o que se está a passar. Isto exige uma boa contextualização das notícias e uma preferência por demonstrar a perspetiva geral dos acontecimentos.
"Achar que as crianças não se interessam pelas notícias é um preconceito"
Para a jornalista o importante é arranjar uma fórmula que faça com que as crianças consigam perceber os temas que estão a ser noticiados, até porque “achar que as crianças não se interessam pelas notícias é um preconceito”.
Os estudos feitos neste campo mostram-nos que, no seu quotidiano, as crianças estão recorrentemente expostas a notícias, sendo um público assíduo das mesmas. A maioria consome conteúdos informativos diariamente na companhia dos familiares, em especial durante as refeições e através da televisão.
Segundo a Convenção dos Direitos das Crianças, “as crianças devem saber o que acontece no mundo. Por isso, os meios de comunicação (a televisão, a rádio, os jornais e as revistas) devem informá-las sobre estes e outros assuntos do seu interesse.” Negar-lhes o direito de acesso às informações, ainda que numa tentativa de proteção, não teria um resultado positivo, já que “se elas tiverem a compreensão dos assuntos lidam muito melhor com as notícias do que não tendo”, afirma Joana Fillol.
A ideia partilhada pelas investigadoras é que, mais do que proibir, é importante que se faça uma mediação acerca daquilo que se está a passar, assim como a capacidade de saber quando desligar.
O conhecimento é, então, a melhor maneira de aprendermos a lidar com o que se passa no mundo e que nem sempre conseguimos controlar. “Se as coisas lhes forem explicadas numa linguagem que lhes seja adequada, com referências que elas compreendam e que vêm do mundo delas, elas acabam por entender e o conhecimento acalma-as”, finaliza Joana Fillol.